Ler jornal

Ler jornal sempre foi um hábito na minha família. Desde cedo me acostumei com meus pais me mandando ir à banca de jornal comprar nossos periódicos e, com o tempo, as palavras saíam naturalmente de minha boca: "Brasil e O Globo, por favor". Durante mais de 40 anos fiz esse pedido pelas diversas bancas por quais passava pelo menos umas 4, 5 vezes por semana. De sexta a domingo era obrigatório comprar os dois devido aos diversos encartes, especiais e guias que vinham em ambos.

Às sextas-feiras, os dois traziam um guia do fim de semana com dicas sobre as estréias de cinema, teatros, restaurantes, bares, passeios e outros mais. Sempre havia relatos dos leitores de programas furados com direito a resposta do estabelecimento que havia pisado na bola. Colunistas especializados em vinhos, botecos, alta e baixa gastronomia, davam um toque mais opinativo em tudo. O Globo ainda tem isso tudo. Ter aqueles dois guias em mãos era para mim um verdadeiro gozo. Lia-os de cabo a rabo, comparando críticas e análises sobre o mesmo ponto. Após ver determinado filme no cinema, buscava novamente ler as críticas para ver se batiam com a minha. Recortava o quadrinho aonde vinha a programação de filmes nos cinemas que mais gostava e carregava na carteira, renovando esse pequeno grande tesouro semanalmente. Nas sextas-feiras, ficava aflito em conciliar a saída para o chope com carregar os santos jornais. Muitas vezes, caçava um exemplar perdido já quase na madrugada de sábado nas bancas do Centro ou da Zona Sul. Já cheguei a comprar um exemplar todo rasgado só por causa dos benditos guias de sexta. Quando, por alguma desgraça, não conseguia comprar os jornais de sexta, ficava meio que órfão. Às vezes, durante a semana, acabava encontrando um desses guias jogados na lixeira. Era como encontrar o Santo Graal ali brilhando. Pegava para mim e corria para dentro de casa ávido por ler o que já achava perdido.

Aos domingos, enquanto minha mãe e eu dividíamos as partes de economia, esporte e outras, minha irmã já chegava e pedia "as partes". Por "partes" se entenda a revista da TV, os quadrinhos, a revista Domingo e por aí vai. Assim como nunca vi Fernanda comendo verduras e legumes, jamais a vi também lendo qualquer outra parte dos jornais. Domingo sempre foi um dia em que gostei de dormir até mais tarde. O problema era onde conseguir as gordas edições dominicais do JB e d'O Globo. De alguma forma, eu conseguia levantar da cama em algum momento antes de meio-dia, horário em que a banca mais perto de casa fechava aos domingos, e saía pela rua sem camisa, sem escovar os dentes, sem lavar o rosto, descalço e apenas com o dinheiro dos jornais na mão e as chaves de casa. Ia, comprava os jornais, voltava e corria pra cama de novo. Ao acordar, era muito bom encontrar os jornais ali me esperando.

Outra tática para comprar os jornais de domingo com mais conforto era compra-los na madrugada de sábado para domingo nos sinais de trânsito, nos bares e restaurantes ou mesmo no fim da tarde de sábado em alguns jornaleiros. Acho que os donos de jornais não apostam muito em notícias aos domingos, pois o exemplar de domingo já está impresso por volta das 16hs de sábado. O jornal de domingo é uma coisa mais analítica.

Muito dizem que os jornais impressos tendem a acabar. Eu duvido! Assim como os livros, nada substitui o prazer de se pegar em papel e ler aquelas letras impressas e não bítis e báitis numa tela de cristal líquido. Lembro de um jornaleiro que ficava dentro de um prédio onde trabalhei e que sempre cismava de dobrar os jornais. Eu ficava possesso com isso! Detestava jornal dobrado ou amassado, a não ser em casos especiais como já falei antes. Assim que o sujeito pegava no jornal eu já falava alto com ele: "Não dobra o meu jornal não!" Ele me olhava danado da vida. A única dobra no jornal que eu admitia era a do meio da página que já vinha da gráfica assim. Outra coisa que eu gostava muito, principalmente quando comprava os jornais longe de casa, era uma sacola plástica especialmente feita para se colocar jornais. Era do tamanho exato. Eu gostava das
sacolas em geral porque mesmo gostando de segurar no papel, o de jornal suja demais a pele e a roupa.

Quando me sentava para ler, acabava lendo praticamente o exemplar todo. Recortava reportagens que achava interessante e levava para algum amigo ler. Com a decadência do Jornal do Brasil, o nosso querido JB ou simplesmente Brasil (coisa mais linda um jornal chamado Brasil, né?), com sua ida para um formato feio e pequeno com letras menores ainda e depois o golpe de morte com o fim versão impressa, fui ficando cada vez mais desgostoso de ler jornais. Não entendi isso de imediato. Um dia percebi que estava comprando o Globo por hábito. Chegava a casa com ele debaixo do braço e o deixava em algum canto. Intacto. Ali ele ficava até o dia seguinte, quando eu o jogava fora sem sequer te-lo aberto. Isso se repetiu por diversas vezes até eu desistir de vez de comprar jornais. Nem aqueles jornais gratuitos que são distribuídos todas as manhãs pelos cantos da cidade me atraem. Jamais li qualquer um deles. Hoje ando afastado da leitura como um todo e não estou satisfeito com isso. Acompanho as notícias por alto pela Internet ou a noite, babando de sono na frente da Christiane Pelajo.

Bem que me avisaram um dia que tudo passa.

Comentários

Jurema Amorim disse…
Vc esqueceu de escrever que deixava os jornais jogados pela casa.....rs..rs..rs... e que uma certa pessoa odiava!!!!!!
Meu querido amigo...na vida tudo passa e as boas coisas se vão.

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