Concurso de contos da revista Piauí

Participei do concurso de contos da revista Piauí, mas não ganhei. Era necessário encaixar um trecho de um texto consagrado já existente, dentro de uma crônica pessoal. Segue abaixo a que eu enviei. O trecho em negrito é o que temos que encaixar no nosso texto.


Ela fechou a porta com vagar extremo e se afastou, furtiva, como quem abandona um doente que acaba de adormecer à meia-noite. Já era seu quinto programa da noite e Dora, apelido para Maria Doralice (nome de guerra Daiane), ansiava ir descansar em sua quitinete na Barata Ribeiro. Não encontrou dificuldade em sair do hotel desacompanhada, pois o gerente já lhe conhecia há tempos. Tampouco precisou se preocupar em receber o pagamento do programa, visto que aquele cliente sempre pagava adiantado. Pagava bem e sempre pedia para que ela dormisse, literalmente, com ele. E ela sempre o abandonava quando ele apagava encharcado de uísque. Quando acordasse não devia lembrar-se de nada, imaginava ela, pois sempre voltava ao inferninho da Prado Júnior em que ela trabalhava em busca de mais sexo e companhia, não necessariamente nessa ordem. Não mencionava nunca o fato de ter sido abandonado como um doente nas vezes anteriores. Contava os problemas de sempre e se contentava com um meio sorriso e um olhar sem profundidade que era logo desviado para o infinito. Olhar como que procurasse o dinheiro no fim, como o pote de ouro do arco-íris.


Andando pela Atlântica a caminho de casa, achou melhor cobrir mais o corpo com o pouco de roupa que tinha a disposição. Não queria encrenca àquela hora da madrugada com os travestis, donos daquela área. Uma giletada na cara seria a última coisa que desejaria antes de chegar a casa. Ao entrar na Bolívar, parou em um bar e comprou duas latas de cerveja para levar. Gostava de beber sozinha ou em companhia dos poucos amigos, que nem amigos eram. Eram apenas companheiros de desventura. Nunca bebia com os clientes. Tinha medo de perder o rumo. Já em casa, se esparramou pelo sofá comprado em vinte prestações nas Casas Bahia. Bebeu uma das latas com vagar. A segunda foi bebida com vagar extremo. Dessa vez acompanhada de vários comprimidos que nem ela sabia direito para o que serviam, mas que lhe dariam o descanso necessário. E assim, furtivamente, foi se afastando da vida, daquela vida doente que à noite lhe adormecia a alma. Não mais.

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