II Concurso Literário - Revista Piauí

Esse é o meu segundo conto com que participei do concurso da Piauí. O trecho a ser inserido está em negrito.
O MONSTRO
Meu pai é um grande homem. Nasceu em uma casa miserável do sertão nordestino. Aos cinco anos de idade, já órfão de pai e de mãe, carregava enormes fardos de algodão em uma fábrica para ajudar no sustento da casa de seus pais adotivos, uns alemães fugidos de Hitler. Antes dos vinte, já tinha se mudado para o Recife e era gerente de uma livraria, tendo sob sua responsabilidade quatro funcionários. Aos trinta já era dono dessa e de mais cinco lojas espalhadas por todo o nordeste. Não vou me alongar explicando como meu pai se tornou um homem riquíssimo e poderoso. Todos o conhecem. Hoje ele é um dos senadores que mais apóiam o governo. Já foi ministro. Diariamente a imprensa o ataca por seu jeito truculento de ser, suas maracutaias, seus negócios mal explicados. Meu pai queria que eu seguisse seus passos na política e nos negócios. Ou seria a política seu verdadeiro negócio? Mas eu jamais poderia chegar a seus pés. Eu não sei o que é passar fome. Eu não sei o que é dormir ao relento. Eu não sei o que é trabalhar de sol a sol. Aliás, eu não sei o que é trabalhar. Eu não sei o que é dar ordem em milhares de pessoas e ver essas mesmas pessoas com medo a me ver passando de botas, chapéu de vaqueiro e chibata na mão. Eu não sei o que é apoiar pessoas a quem sempre critiquei apenas para manter os meus privilégios. Eu não sei o que é tirar uma moça de treze anos da família para desposar e depois a largar em uma casa enorme cheia de empregados e luxos e vazia de amor e calor humano. Mamãe é alcoólatra. Bebeu sua primeira gota pouco depois de casar com meu pai, incentivada por ele. Logo depois, o incentivo vinha de sua ausência. Tenho seis irmãs. Todas lindas. Sou o único filho homem. Meu pai era muito carinhoso com as duas menores, Bianca e Laura. Carinhoso demais. Era normal mamãe dormir na sala enquanto minhas irmãs dormiam com meu pai em sua enorme suíte.
Eu nunca trabalhei. Gosto de usar drogas ilícitas e de me deitar com outros rapazes. Nunca fiz nenhum deles sofrer. Meu pai jamais fez nada que eu já tenha feito em minha vida. Por isso não nos entendemos. E foi muito estranho quando, ontem à noite, tomei coragem e lhe perguntei: Querido pai: você me perguntou recentemente por que eu afirmo ter medo de você. Ele abaixou o jornal que lia e continuou com o charuto fedorento no canto da boca, mas não falou nada. Apenas me olhou. E eu finalmente respondi que não tinha medo dele e sim pena. Pena e nojo. Fui falando coisas cada vez mais ofensivas e cada vez mais me exaltando até que o velho crápula deixou o charuto cair no colo, o jornal caiu no chão, a mão foi levada ao peito e um último suspiro coroou essa cena. Estava morto o monstro.

Comentários

J.Amorim disse…
Meu querido amor, vc, de fato, nasceu pra escrever. Um talento perdido!!! Adorei esse conto. Bjs
Juju
Anônimo disse…
Dá pra sentir o cheiro do charuto!
claudio
Xandão disse…
Querida, voce é suspeita... Obrigado por virar minha seguidora oficial... Beijos no coração.
Gleyce disse…
Deixou um gostinho de quero mais. Como continua??

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